Depois do Hugo, da Liliana e da Carolina, é a vez do companheiro Sílvio Mendes, do Plantar Ideias, dizer de sua justiça em relação à música de 2007. Muito português, muito intimista. É assim o Sílvio, são assim os acordes do texto que segue abaixo. A ler.
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«’Quero que saibas que cago no amor’, dito assim.
A música começou por ser um ramo da matemática, depois cresceu, esticou bem o tronco, e infiltrou-se nos sentidos. Acho que é assim que se ama. Com matemática e física e música infinita. É assim que deve ser.
Vivo na aresta do trauma, uma pequena desgraça corre-me por dentro: desde 1997 que tudo me sabe a pouco. E, contudo, desde esse ano que continuo a apaixonar-me violentamente pela marcha da sensibilidade. Não haja dúvidas, 97 é mesmo o ano da viragem. Radiohead ao leme e Ok Computer a deixar cicatrizes no mar. É por lá que os peixes espreitam o céu, é nessas fissuras que o homem mergulha a cabeça e tenta esquecer o tempo.
Mas veio o futuro, sem stress pós-traumático, apesar do trauma dos grandes. Estamos historicamente com duas mãos cheias de anos passadas. Linha salta
no tempo. E nem tudo é olhar para trás. Este desafio é simples, óbvio, de resposta rápida, nacionalista, anti-moralista e arrogante. O melhor de 2007 está dentro de portas, com título de álbum no longínquo ano de 1970. É só um título, bem sei, mas entre 70 e 97 haverá certamente alguma margem fantasiosa para corroborar este texto. É a matemática. Assinada por um homem que é uma fábula, o carnaval português a escrever, samba desajeitado na tremura dos joelhos, é tempo de gritá-lo: JP Simões (ex-Pop Dell’Arte, ex-Belle Chase Hotel, ex-Quinteto Tati) é fogo mesmo. O Silvóscar vai para a balada transgénica Se por acaso (me vires por aí). Porquê? Pela ternura infinita dos sentidos, porque o trovador não morre se não lhe faltar o amor, porque há a voz de Luanda Cozetti (Couple Coffee) a açucarar, porque vivo na aresta do trauma, por dentro, desde 1997. E porque são precisos dez anos para voltar a nascer uma música assim».
Sílvio Mendes