Archive for the ‘das palavras’ Category

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regresso, noutras paragens

Março 10, 2008

O interregno foi curto. O projecto existia há mais de uma ano. O momento é este. Dei-lhe a mão e viemos parar ao Húmus os dois. Húmus.

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ensaio

Janeiro 22, 2008

Ontem olhei para a estante lá de casa. Procurei qualquer coisa pujante, que me mantivesse acordado por quanto tempo me apetecia – não tinha sono, muito menos vontade de dormir. Passei a mão pelo retrato de Dorian, escrito pelo Wilde, ainda olhei para as crónicas do Ricardo Araújo e do Fidalgo. Mas não era aquilo. Continuei e nada. Nada daquilo.

Finalmente, vi-o. De rajada, peguei nele, acendeu-se-me um cigarro na boca e foram vinte páginas. Deitei-me e segui lendo. Feliz por revisitar páginas tão queridas, tão tristes.

Voltei à cegueira branca de Saramago. Em boa hora.

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das arquitecturas do silêncio (VI)

Janeiro 17, 2008

«o vazio foi sempre a minha preocupação essencial; e estou seguro de que, no coração do vazio como no coração do homem, há fogos que queimam»

Yves Klein

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criar notícias

Janeiro 15, 2008

Talvez seja precipitado agarrar a coisa assim: grassa no meio jornalístico um novo fenómeno. Mas é o que parece.

Primeiro, o repórter da Visão. Na linha de Super Size Me, mas de cores verdejantes, vegetarianas, propôs-se a uns meses de experiência alimentícia. Cortou na roda dos alimentos, consultou médicos, pesou-se, esmiuçou as vielas do corpo. O resultado foi uma reportagem em jeito de documentário. Na Visão e na SIC.

Agora, novamente com o carimbo SIC mas desta vez com o Público como parceiro, parece que vamos poder acompanhar ao minuto a vida dessa ave com nome giro, o grifo, através de uma câmara colocada no ninho do animal. A coisa mereceu destaque ontem, na SIC, e hoje está bem visível na capa do jornal da Sonae.

Ainda não é tempo de avaliar esta nova moda (será sequer uma moda?). O que não posso deixar de pensar é que há nisto uma subversão do papel do jornalista: em vez de procurar a notícia, o repórter tenta agora criá-la. Vontade de inovar ou défice de tempo para pensar a actualidade e dela sorver criatividade? Veremos.

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sinal dos tempos

Dezembro 26, 2007

a mensagem da Rainha de Inglaterra pela primeira vez no YouTube. Até foi criado um Canal Real para o efeito.

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das leituras: pequeno balanço

Dezembro 24, 2007

Diz-me o meu blogue, cumprindo a bonita função de diário-público-facilmente-conspurcável que lhe cabe, que no ano passado por esta data andava eu a ler Tratado Político, de Espinosa. Ora, este ano, com o Natal aí – e intercalando tamanho texto com o evidentemente menor Delfim, do Cardoso Pires – tenho-me queimado na Boca do Inferno. Para quem não sabe – e desgraçados os que ainda não sabem (assim mesmo, em tom desafiante e amaldiçoador) – Boca do Inferno é um primoroso amontoado de crónicas saídas da pena Ricardo Araújo Pereia (óbvio que já ninguém escreve com pena, pelo que e expressão é já de si descabida). Achei que era o momento de falar brevemente sobre esta diferença literária à escala de 365 dias.

É que se em 2006 eu perdia um Dezembro ainda bracarense a ler coisas como «não há homens que se pense menos próprios para governar o Estado do que os teóricos, quer dizer, os filósofos», este ano ganhei juízo e tenho ocupado as hora com bonitos e curtos textos cujos temas dominantes são de agarrar qualquer leitor pelos colarinhos. Veja-se: seios, Vasco Pulido Valente, seios, o Benfica, seios, José Sócrates, seios e Santana Lopes. Às vezes, Ricardo Araújo Pereira varia um pouco e escreve também sobre seios. E sobre o Benfica. Todo um rasgo de originalidade, o rapaz.

Ora, não pude deixar de vir aqui, publicamente, dar-vos conta desta minha atitude: de um momento para o outro, que é como quem diz de um ano para o outro, larguei-me de toda essa cultura medíocre, popular (sinónimos, como bem sabemos) e de arruaça, composta por Espinosas, Nietzsches, Calvinos, Al Bertos e outros que tais; e entreguei-me à palavra de recorte fino de Ricardo Araújo Pereira (acho que ele ia gostar da expressão. Tem um quê de futebolística). E garanto, nada como subir os degraus da escada literária (cá está uma frase digna dos melhores livros de Margarida Rebelo P.), deixar para trás a facilidade bafienta desses estroinas seculares e levarmo-nos a consumir no fogo de uma Boca do Inferno intelectualmente superior.

Ricardo, se me estás a ler, um abraço. Ter o teu livro é como ser dono da melhor Visão alguma vez publicada. Não tenho seios (muito menos grandes) mas gosto de ti, pá (e esta frase vem à liça de não poder concluir o texto sem usar uma expressão ao menos medianamente homossexual).

Feliz Natal.

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das arquitecturas do silêncio (V)

Dezembro 20, 2007

quando não estás,
cortam-se horas em golpes que sangram a merda dos dias.

quando não vens,
kamikazes e explosivos e corações de pétalas rebentam incessantes.

esquecer-me de ti.
encontrei a solução impossível.

José Oliveira

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neste mar a letra

Dezembro 17, 2007

duas frases que me ficaram. hoje, às voltas no mundo de palavras da web, à procura não sei bem de quê – mas com uma vontade atroz de encontrar o que fosse, qualquer coisa capaz de me apaziguar as entranhas.

Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. (…) Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca.
Antoine de Saint-Exupéry

Todos os dias devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas.
Goethe

assim vamos.

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do ano e alguns dias

Dezembro 10, 2007

Dias atrás, a 25 de Novembro, fez este blogue um ano. Não sei se fará dois, tal é a pouca actualização a que o tenho votado nos últimos tempos. Dispersam-se as horas dos dias pelos vários quereres e afazeres e a coisa vai esmorecendo. Assim vem acontecendo. Mais de 12 meses e 45 mil visitas depois, o Lábios de Silêncio continua a existir. Devagarinho.

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ler, essa terrível obrigação

Novembro 30, 2007

Parece que, em Espanha, 22 por cento dos estudantes universitários admite nunca pegar num livro. Por cá, a coisa será diferente?

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outra crónica

Novembro 26, 2007

mais uma crónica no ComUM.

Esquinas passadas

O passado. Não se vive o passado. Quando muito, vive-se com ele. Opta-se. Nunca fui bom com passados. O meu, guardo-o para mim. Que acho que é assim que deve ser. Faço como escrevia Virginia Wolf. «Cada um tem o seu passado fechado em si, tal como um livro que se conhece de cor, livro de que os amigos apenas conhecem o título». Nem mais uma linha.

Não somos tábuas rasas. A cada recomeço é impossível apagar o que fica para trás. Depois depende. Seguindo a imagem-livro, há quem esconda o passado na última prateleira da estante, quem goste de apresentar todos os capítulos amiúde e quem não perca a oportunidade de declamar uma passagem que entretanto decorou. Outros há que põem o livro no escaparate, que esperam que o passado os empurre para o futuro, que não largam o primeiro. O passado como Bíblia.

Eu cá faço a vida por contos. Abro um conto, fecho um conto. Guardo-o para mim. Ou mostro-o, muito parcimoniosamente. Reflicto.

«Quando afirmamos que o passado foi melhor, condenamos o futuro, sem conhecê-lo», escreve Francisco de Quevedo. Será esta a parcela perigosa do saudosismo? A de recordar o que lá vai engrandecendo a memória? Não sei. Saudosista sou. Gosto de recordar tempos idos. Para mim. E sem hipérboles. Não vou com Gorki – «A carruagem do passado não nos leva longe» – e apoio Santayana – «Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo». Mas Tchekhov, esse, parece ainda mais sábio: «Onde estamos é que estamos bem. Já não estamos no passado, e então ele parece-nos belíssimo». Ponto.

Para mim, o passado é uma mulher que passa longe. Às vezes bela, outras grotesca. Sempre distante. O passado é uma bonita flor sem cheiro, um frutado vinho sem sabor, um caderno sem folhas (ou de folhas completas). Louise Levêque Vilmorin dizia que «o passado existe quando se está infeliz». E há, parece-me, alguma verdade nestas palavras. O passado não existe. Está lá. Foi. Mas não existe. Não voltarei a ter dezoito anos. O passado não é uma máquina do tempo.

Agarrar-se ao passado pode também ser uma questão de conforto. De querer repetir o mesmo fotograma, o mesmo ângulo, a mesma luz. Disparar. «O passado, pelo menos, é seguro», opina Daniel Webster. E o nosso Virgílio Ferreira é mais conselheiro: «Guarda o passado, se não tens já futuro». Num apontamento mais político-social, que aqui nem vem tanto ao caso – tal é o tom afectuoso da coisa – assumiu-se uma vez que «quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado». (Orwell) Passado ditador, portanto.

Escrever sobre isto fez-me, curiosamente, recordar, rememorar, relembrar, recapitular, evocar que… «o único encanto do passado consiste em que é o passado». (Oscar Wilde).
Até amanhã.

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o melhor blogue do ano

Novembro 21, 2007

A cadeia noticiosa alemã Deutsche Welle promoveu mais uma edição dos The BoBs – The Best of the Blogs. O prémio de melhor do ano vai para uma menina bielorrussa,  (foto)jornalista de 23 anos. Chama-se Foto-Griffoneurei e está carregado de imagens bonitas. A preto e branco. Escolho esta.

O vencedor na categoria para melhor blogue  em língua portuguesa foi o brasileiro Marcelo Taz, com o Blog do Tas, mescla de política, humor e jornalismo.

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do regresso

Novembro 20, 2007

volto com a chuva. regresso à partitura em dias molhados, dias uns mais sonhados que outros, mais quentes que outros, mais perfeitos ou falhos. uns que outros.

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deixar o quente da cama para abraçar as goteiras da cidade velha. nunca viram o bairro alto às onze horas? as manhãs no bairro são outra coisa. manhãs de ruas sujas do lixo da outra noite, de carros que carregam de cerveja as gargantas que mais logo chegarão. bairro da velha que não sai de casa aos anos e que para receber a correspondência desce um saco plástico atado por um cordel. bairro de mulheres gastas que, bata posta, vivem de manhã, comem de manhã, só respiram de manhã. bairro dos trolhas, dos bonés, das mãos carcomidas e dos cigarros trolhas.

lisboa é a cidade em que uma míuda de chuva, vinte e poucos, me pede 50 cêntimos e eu respondo com um não molhado e nocturno e depois me arrependo.

volto com a chuva. para escrever aqui. mais amiúde.

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meio ano num sonho azul

Novembro 12, 2007

«conheciamo-nos pelo tacto e pelo olfacto
tornámo-nos murmurantes
e tu refulges ainda no escuro dos quartos que conhecemos
cruzávamos olhares cúmplices
falámos muito não me recordo de quê
e no calor dos corpos crescia o desejo
caminhámos pela cidade
eu metia as mãos nas algibeiras
(…)
a imagem azulada das tuas mãos flutuava diante de mim
gesticulavas para me dizeres que estávamos vivos e apaixonados»

Al Berto

e estávamos. estamos.

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Novembro 12, 2007

O blogue, bem se vê, anda descuidado. Fruto do muito trabalho no Sexta. E, claro, da falta de vontade temporária.

Entretanto, já vou no terceiro capítulo da crónica A Árvore do Loucos, que assino aos domingos no ComUM. Fica um excerto.

«Pagar por um jornal é hoje, repito, coisa meramente formal. O Meia Hora é melhor que o 24 Horas, jornalisticamente avaliando. E é gratuito. Borlas podem não ser sinónimo de má qualidade, parece-me. Talvez um retrato errado de quem tem os olhos toldados pela engrenagem da coisa. Talvez. Mas não creio.»

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hoje acho que..

Outubro 29, 2007

..a solidão povoada é a pior das companhias.

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das arquitecturas do silêncio (IV)

Outubro 29, 2007

Al Berto

o mar só existe durante a noite
ladra-lhe furiosamente à janela
desfila como um poldro de mercúrio
no cimo dos ventos o mar é um vislumbre
da futura noite onde respiraremos na água
e se despenham os inabitados corpos

ou,
como escrevia Caeiro,

o mundo não se fez para pensarmos nele
pensar é estar doente dos olhos

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ai, o jornalismo

Outubro 25, 2007

sexta1.jpgQuase duas da manhã. Aqui, no Bairro Alto, fecha-se o número um do SEXTA, semanário gratuito que sai para a rua esta sexta-feira, 26. Apesar do cansaço – mais que muito, acreditem – eu cá já tinha saudades destes andamentos. Fazem-me lembrar os tempos do semanário Académico, na Universidade do Minho. Mas com um brutal upgrade de qualidade e meios à disposição.

O jornalismo, o jornalismo.. Gosto disto. É porreiro, pá.

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Ler Borges com o Quixote à cabeceira (II)

Outubro 13, 2007

Este post começou aqui. A continuação segue abaixo.

Bem cedo se apercebeu Borges do valor dos escritos do Manco Lepanto. Cervantes havia conseguido alcançar uma forma elegante e astuciosa de contar a realidade fazendo ficção, de ferir profunda e subtilmente sem derramar uma gota de sangue, de criticar o quotidiano e a cercania divagando como um louco sobre amores irrealizáveis, gigantes e moinhos de vento. E Borges também queria fazê-lo, queria pensar como ele.

Depois de viver em Espanha durante dois anos (1919-1921), onde frequentou os círculos literários, o escritor sul-americano regressou à efervescente Buenos Aires dos anos 20, consolidando a sua carreira como poeta através de textos publicados em diversas revistas da especialidade. Começa a escrever os seus contos de índole fantástica cerca de uma década depois. Mesclando propositadamente o onírico e o real, o velho bruxo – como muitos lhe chamavam – não se aparta por completo do tangível e verdadeiro, abarcando na nua narrativa o sobrenatural e o místico sem romper com o realismo.

Das obras borgenas destacam-se História Universal da Infâmia (1935) e Ficções (1944). Nestas duas compilações de pequenos contos – considerados por Ítalo Calvino, seu contemporâneo, como «a última grande invenção de um género literário» – Borges explana todos os seus recursos estilísticos. Títulos como A Biblioteca de Babel, O Jardim das Veredas que se Bifurcam e Pierre Menard, autor do Quixote, ilustram perfeitamente a carga metafísica, filosófica e teológica dos seus «delírios do racional» (Adolfo Bioy Casares).

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Também de prémios – que não existiam no tempo de Cervantes – foi feita a vida de Borges. Em 1961 comparte com o irlandês Samuel Beckett o Prémio outorgado pelo Congresso Internacional de Editores e, depois de muitas outras condecorações, recebe em 1979 o Prémio Cervantes. «Recordo a primeira vez que li o Quixote, aí pelos anos 1908 ou 1907, e penso que senti, ainda então, que apesar do título enganoso, o herói não é Dom Quixote; o herói é aquele fidalgo mancebo ou senhor provinciano», disse Borges ao receber o galardão das mãos do monarca espanhol. Esta era a convicção do ícone literário argentino: a de que Quixote pode verdadeiramente ser cada um dos que lêem as aventuras do «cavaleiro da triste figura».

Se a vida fosse um dia, dir-se-ia que Borges conseguiu ao final da manhã aquilo que Cervantes somente logrou alcançar ao entardecer. Ma enquanto o primeiro vivia rodeado de livros, desde os clássicos aos seus coetâneos, o segundo apanhava papeis que encontrava pelas ruas da sua terra natal (Alcalá de Enares) para saciar a sua sede de conhecimento. Miguel de Cervantes viveu na obscuridade de uma sociedade medieval e fê-la desmoronar através de uma risada colossal sobre uma cavalaria andante e agressiva. Jorge Luís Borges nasceu nas luzes e nas luzes inscreveu a sua obra e depositou o seu legado, caminhando lentamente para a penumbra física e inevitável (ficou completamente cego aos 50 anos). Todavia, Jorge teve sobre Miguel uma simples mas imensa vantagem: a de haver vivido depois dele.

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há dias em que o jornalismo dá mesmo a notícia

Outubro 12, 2007

Coisa bonita, esta que se pode ver no vídeo abaixo. O repórter da Reuters tem o privilégio de dizer a Doris Lessing, na primeira pessoa e em primeira mão, que é dela o Prémio Nobel da Literatura 2007. Gostei da reacção desta senhora velhinha que eu, confesso, desconhecia totalmente.